sexta-feira, 14 de julho de 2023

Ressonância...

 Ressonância...

Sábado, 10h40. Pontualmente estava na clínica como agendado. Formulário com um pequeno texto explicativo sobre o que consiste o exame, seguido de um questionário que buscava saber mais sobre minha condição física. Cirurgias, uso ou não de próteses. Objetos que sofram efeitos do campo magnético.  Coisas que ajudam a tencionar mais  o que eu iria viver durante os mais de 60 minutos naquela sala branca, com teto cheinho de luzes, como se fosse um céu estrelado, de fundo branco, dentro daquele tubo que nos remete aos filmes de ficção científica.

Concluída a fase de coleta de dados, preenchimento de formulário e questionário, emissão de guias, uma jovem com uniforme verde, me chama pelo nome, entrega um pacote com uma camisola para eu me trocar, pede pra eu tirar tudo o que era metal, e depois, mais algumas perguntas. A ressonância daquela manhã não era a minha primeira, e sim, este era o principal motivo de eu estar ansiosa. O fato de ficar deitada com o corpo dentro de um tubo, com um espaço de menos de 20 centímetros entre o nariz e a parte superior da cápsula, sem condições de se mexer, submetida a sons num período de mais ou menos  uma hora, não é confortável. É assustador, causa pânico.

Bem, sabendo de tudo isto e compartilhando experiências com outras pessoas, o que me restou foi  controlar a minha ansiedade, tentando manter o cérebro focado em outras coisas que não fosse desejar apertar a campainha, que os técnicos colocam em uma das mãos, para acioná-la em caso de necessidade. Já aconteceu de no primeiro minuto, em uma das ressonâncias, eu apertar, pedir para sair e não voltar para dar continuidade ao exame. Não queria passar por isto novamente, até porque interromper o exame significaria ter que enfrentar todo o processo novamente, que não é simples, nem fácil!

Começou. Os técnicos por microfone reforçam a necessidade de  me manter imóvel, sem mexer. Seriam três exames, iniciariam por um, cujo objetivo era investigar possível esclerose. Havia explicado que em um determinado momento eu deveria colocar na boca em tempos diferentes, uma seringa pequena, outra média e outra grande, segurando-as com a boca, sem movimentar língua, sem engolir saliva, enfim...aff! E dai-lhe barulho. Era uma playlist completa. De fundo e antes mesmo do início dos exames, a máquina já emitia um barulho, que mais parecia um som feito por DJ em festa trance. Tistum, tistum, tistum, num compasso simples, que permaneceria como Back Ground ou BG o tempo todo de duração dos exames. Depois foi introduzido um outro som, com outra batida, um martelo? Sim, o barulho era de som de um martelo metalizado. Uma, duas, três...sessenta vezes. Parou! Quantos minutos havia se passado? Dez, quinze? Quando dariam o comando para o momento das seringas? De repente, a voz do técnico: - D. Geralda? Tudo bem? A senhora está se movimentando? Engulindo? Eu disse que sim, estava engolindo saliva, secreções...E o técnico: - não pode D. Geralda, Teremos que começar tudo de novo! Fiquei sem acreditar... Jesus, será que vou conseguir concluir? Começar de novo?

Tudo bem. Vamos lá, eu vou conseguir. Vou tentar me ocupar dos barulhos. Quantas vezes cada som era repetido? O que significava cada tipo de som ali? O que eles mediam? Que imagem meu cérebro ia formando diante dos diferentes sons? E o volume? Sim, era num volume alto, digno de um show de rock. Era isso! Aqueles sons podem perfeitamente servir para compor um arranjo de rock. As imagens certamente dignas de um cenário psicodélico, que o digam os profissionais das projeções nos shows. O momento das seringas chegou, felizmente! Sinal de que estava dando tudo certo. Primeiro exame encerrado.  Mais barulhos – sons, intercalados de pequenos intervalos de silêncio. Minha sina naquela maca ainda não tinha chegado ao fim. Bora contar a sequência de batidas. Um, dois... trinta,  barulho ensurdecedor, cinqüenta, será? Esqueci...melhor pensar na história que me propus a criar para o Rafinha. O menino dos olhos azuis, da terra dos tubarões. Ok, mas não me vinha inspiração. Quanto tempo será que falta? Rayi Kena deve estar no final do vôo para Salvador. O barulho agora era diferente. O tempo está mais compassado, será que este som é a última etapa do exame? Trinta, trinta e um, cinqüenta, cinqüenta e nove, sessenta, sessenta e um... eu que o tempo todo mantive os olhos fechados, resolvi abri-los. Pela primeira vez consegui visualizar o tubo e a grade por cima da minha cabeça, sem sentir pânico. Quanto tempo será que ainda falta? Sessenta e quatro... de repente, silêncio. Um vácuo. Será que ainda tem mais alguma coisa? D. Geralda, tudo bem? Terminamos viu? Correu tudo bem. Gente, que sensação estranha... Acabou? Eu posso sair?

A jovem de uniforme verde entra na sala, aperta o botão da máquina que movimenta, me trazendo para fora do tubo. Ela me ajuda a sentar. Peço para esperar eu me recompor antes de me levantar, já que o movimento de levantar a cabeça, me causa tonturas. Levanto, olho para minha irmã que se manteve o tempo todo na sala, sentada, me acompanhando - o tempo foi tão longo, que ela estava ansiosa para sair dali e procurar um banheiro para fazer xixi. A sensação de alívio era tão grande, que me invadiu uma alegria e uma despreocupação com o momento seguinte, que há muito eu não tinha. Já sei o que fazer, quero bater perna e tomar uma cerveja!

Ressoa a vida, ressoa...

Imagens: RD Xavier(Internet)

Distopia na administração de Goiânia

                                                                  

Distopia na administração de Goiânia

Geralda Cunha – É mestra em Educação pela UFG. Assessora de Comunicação e Ativista pelos Direitos Humanos

            Goiânia sofre com o fenômeno da distopia que acometeu o nosso país nos últimos tempos. A distopia é um pensamento filosófico caracterizada por uma sociedade imaginária controlada pelo Estado ou por outros meios extremos de opressão, criando condições de vida insuportáveis aos indivíduos, o termo surge como o oposto de utopia. Na literatura e no cinema são muitos os exemplos de sociedades distópicas. Quem não se lembra do livro e filme do mesmo nome 1984? Matrix, Mad Max e o brasileiro Bacurau, entre outros? O goiano José J. Veiga abordou o tema no livro A hora dos Ruminantes, de 1967.

             A administração da nossa capital tem sido um bom exemplo de administração distópica A população tem sofrido com esta polêmica e confusa gestão. Quando o assunto é Educação, a  Educação Infantil (uma das etapas prevista na LDB 9394/96 e considerada fundamental na formação do indivíduo),  vem sendo negligenciada ao longo dos anos nas administrações municipais da nossa capital. Ano após ano as demandas não são todas atendidas e crianças, que deveriam estar nos Centros Municipais de Educação Infantil – Cmeis estão fora deles, enquanto mães e pais precisam recorrer ao Ministério Público para terem acesso às vagas que lhes são de direito! Não existe um planejamento para suprir esta demanda e dar dignidade às crianças e suas famílias. Eis que o gestor tira da cartola a brilhante ideia e vai defendê-la no plenário da Câmara Municipal de Goiânia: fechar 50 bibliotecas e salas de leitura, sob a alegação de que os livros causam sinusite! É inacreditável tal argumento! Desconhecimento? Ignorância? Ou má intenção?

            Parece atuam baseados naquela velha máxima: “a gente propõe, se colar, colou!”  Um verdadeiro acinte a nossa inteligência. Agem com dolo, gerindo mal o dinheiro público, na certeza de que vão aceitar  “descobrir um santo, para cobrir outro”, como se não houvesse leis que exigem que as escolas cumpram requisitos básicos para o funcionamento e um deles é a existência de bibliotecas para que as crianças, alunas e alunos tenham acesso aos recursos da leitura, do conhecimento! Também estão previstos que as escolas façam limpezas rotineiras nas caixas d’águas, que tenham estrutura adequada para cadeirantes, proteção nas escadas, rampas, espaços de convivência, salas adequadas ao número de crianças e alunos, de tal forma que é fácil deduzir que esteja previsto profissionis da limpeza que proporcionem ambientes limpos e arejados, impedindo todo o tipo de sujeira que possam causar doenças como a referida pelo gestor!

            Felizmente as autoridades competentes impediram a tentativa de fechamento das bibliotecas de forma irresponsável e autoritária. Infelizmente estamos sendo atropelados por uma onda de gestores que chegaram ao poder e desconhecem como funciona a administração pública. Impõem medidas e quando não conseguem o intento, usam das prerrogativas para “convencer” parlamentares a compactuar com ações que não atendem ao bem comum, pelo contrário, deixam uma camada de fumaça no ar, na tentativa de enganar o povo, não prestando contas, sem transparência, invertendo a lógica de um governo democrático, sendo um governo de e para privilegiados!


quinta-feira, 13 de julho de 2023

Dia mundial do Rock e os dez anos dos Boogarins - Por Geralda Cunha

Hoje é dia de #tbt. Hoje é dia mundial do Rock. Hoje é dia de conversar sobre Boogarins. 

 Não é pra qualquer um não! Eu sempre estive num lugar que mistura orgulho de mãe e admiração da profissional de comunicação por um grupo de jovens que como tantos outros, tinham muitos sonhos e poucas chances de fazerem carreira no meio musical, sendo quem eram: pobres, periféricos, filhos de pais desconhecidos. Tentar entender a história da banda que teve uma ascensão meteórica, alcançando em dois anos de estrada contrato com um selo de disco de renome – Other Music, prêmio de banda revelação no Multishow, indicações para o Grammy Latino, turnês internacionais e serem destaque num dos maiores jornais do mundo, The New Times. 

 Os mininos, como gosto de chamá-los carinhosamente, ousaram e conseguiram chegar em lugares inimagináveis. Fizeram o impossível virar realidade. Encararam os desafios com o talento, a irreverência, nos passando a sensação de que estavam a passeio e não tinham compromisso com nada além deles próprios. Bora gravar na Europa? Bora. Bora gravar em Austin? Bora! Quão agradável é acompanhá-los nos shows em Goiânia ou em qualquer outro lugar. A aura que os cercam e circundam seus shows é sempre de muita leveza, para além das sensações etílicas e psicodélicas. A idéia que fazem prevalecer é de que são trabalhadores da música. 

Cuidando de cultivar uma relação com o público, tão próxima e aconchegante que mais parece encontros de amigos, irmãos. Centros Culturais, Loop, Metrópole, Bananada, Vaca Amarela, Lollapalooza, Rock in Rio, Europa, EUA, Austin, Primavera Sound, Coachella, África. Oficinas de música para reeducandos de Goiás, para jovens em Portugal, no Nordeste. Shows beneficentes. Shows pequenos, shows grandes. Capitais, cidades do interior. Trabalhadores da música que atuam nos palcos, brilham, mas que atendem na lojinha e ainda carregam seus próprios instrumentos. Profissionais de carne e osso! Lá se vão dez anos! 

Os mininos de Goiás, adolescentes remanescentes do Instituto Federal, o IF, se tornaram cidadãos do mundo. Fizeram a transição para a vida adulta, cada um a sua maneira, pé no chão, sedimentando a caminhada com muita música e poesia, com muito respeito a si próprios, a público, aos seus, reverenciando suas histórias, seu gueto, acolhendo o novo e ratificando seus ideais e princípios de vida. Tornaram-se uma grande família. Estando em Sampa, ou no Recife ou ainda no Rio de Janeiro, cada encontro é uma celebração a vida! 

E em se tratando de celebração, o ano de 2023 tem servido para os mininos celebrar a música e o tempo de estrada. Goiânia – a cidade onde tudo começou – vai recebê-los este final de semana, 15/07(sábado), a partir das 16 horas. Será um show para celebrar os dez anos de estrada dos Boogarins e oito anos de existência do Shiva Bar. o show será na rua (R 18/Setor Oeste). Os ingressos estão disponíveis na bio do Shiva Bar: linktr.ee/shiva.altbar. Primeiro e segundo lotes esgotados. Junto com os minunos estarão Furmiga Dub e Flávia Carolina, encarregados das preliminares. A noite deste sábado, pós dia mundial do Rock, será com certeza uma noite para guardar em nossos corações. Nos encontraremos lá! #rocknaveia #diamundialdorock #boogarins #rockpsicodélico #rocknacional

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Cancelamento nas redes sociais - jornal O Popular - 03/01/2022

 

Cancelamento nas Redes Sociais

Geralda Cunha

Comunicadora Social, Educadora, Policial Aposentada, Ativista na defesa dos Direitos Humanos

A dinâmica da convivência pelas redes sociais nos apresentou um significado mais agressivo para a palavra cancelamento. O que antes era um termo técnico para algo que remetia a falhas burocráticas, hoje tem vários significados.

A “convivência” virtual expôs um lado das pessoas que não conhecíamos, ainda que existisse e não é de hoje. Cancela-se por qualquer coisa: de acordo com a comunicóloga e pesquisadora em comportamento Clara Fagundes, as pessoas têm prazer em julgar outras pessoas, em participar da ruína de outras pessoas, se elas forem “vilãs”!

Recentemente entrou em cartaz pela Netflix o filme “Não olhe pra cima”, com Leonardo Di Caprio, Meryl Streep e Jennifer Lawrence, a comédia/catástrofe, é uma alegoria ao método de fazer política segundo Steve Bennon, baseado na estética das aparências e na potencialização da manipulação pelas redes sociais.

Não por acaso o marqueteiro foi preso pelo FBI por fraudes e lavagem de dinheiro. Creio que a fraude e o alinhamento do Estado com o capital financeiro são as principais  metáforas do filme, que mostra as verdadeiras faces de políticos  importantes mundo afora! Estão preocupados em “parecer ser”, no espaço das redes sociais. Essas se tornaram as “ágoras” no mundo virtual. Nela se, vive se posiciona, se acredita e se “cancela” de acordo com os interesses econômicos, políticos e ideológicos.

No filme negligenciaram (cancelaram) o fato real da colisão do meteoro com a terra. Aqui no nosso quintal (Brasil) cancelaram e cancelam tudo o que não esteja de acordo com o pensamento negacionista de um pretenso governo:  crise sanitária, desmatamentos, desempregos, inflação, preços em alta, vacina, enchentes, mortes! Investem e apostam em um Brasil irreal, construído e fomentado por algoritmos, robôs e uma minoria raivosa! Apostam no quanto pior, melhor! Apostam na eficiência das fakenews. Assim como no filme, o que menos importa é a veracidade dos fatos, as fontes das notícias e muito menos nas conseqüências que as falsas notícias provocam na vida das pessoas. Promovem o CAOS.

Em 2022, ano eleitoral carregado de expectativas e incertezas, inspiremos-nos em Paulo Freire e no livro Educação como Prática da Liberdade (1967), que continua extremamente atual: a partir da definição do que é transitividade crítica - que se caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas - ele nos ensina a substituir explicações mágicas por princípios causais, a despir-nos ao máximo de preconceitos na análise dos problemas. A nos basear na prática do diálogo e não da polêmica. A ser receptivo ao novo, não apenas porque novo e pela não-recusa ao velho, só porque velho, mas pela aceitação de ambos, enquanto válidos. E nos provoca a entender que assumir a transitividade crítica, implica num retorno à matriz verdadeira da democracia. Neste universo, não cabe cancelamento!


sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Polícia para quem?

  • Policial aposentada, comunicadora social, educadora e ativista pelos Direitos HumanosA Constituição Federal de 1988 significou para a sociedade brasileira uma virada de página, encerramento de um ciclo recheado de atos institucionais, que validavam as arbitrariedades, principalmente das polícias que promoviam perseguições, torturas e extermínios a qualquer sinal de “ameaça”. Naquele período, o que a princípio era método para perseguir e punir militantes políticos de esquerda, se naturalizou, virou regra.  O novo ciclo – da Constituição Cidadã - que acreditávamos ser o início do regime democrático “ad eternum”, com condutas pautadas na lei, começou com mudanças significativas no cotidiano das polícias, mesmo com certo saudosismo de policiais que creditavam o fim da polícia, às mudanças! Podemos dizer que o jeito de fazer polícia que conheciam, com poder de “vida e morte” sobre as outras pessoas, perdera força com a nova Constituição.

    Os anos 2000 trouxeram experiências exitosas de policiamento comunitário. Diadema – SP, Canoas-RS, Goiás. Neste modelo, os métodos truculentos de investigação dão lugar aos científicos, prevalece o policiamento preventivo com abordagens que não prevêem o uso da força ou da violência.  Os cursos de formação para policiais têm em seus currículos a disciplina de Direitos Humanos, mas infelizmente, não deixaram de lado uma formação baseada na força, em situações de verdadeiras provas e treinos de guerra, sob a crença  de forjar profissionais infalíveis.

    A polícia brasileira do século XXI é considerada a mais violenta do mundo (Le Monde de 18 de junho de 2020), não conseguiu superar o ranço da ditadura militar e muito menos da cultura escravocrata. Persegue e criminaliza Preto, Pobre e Prostituta. Mesmo com as tentativas de modernização e mudança de cultura, a polícia truculenta persiste. Denúncias por todo o Brasil dão conta do que vivemos: execuções sumárias de jovens da periferia, mortes por “confronto”, ainda que as cenas dos crimes apontem para execução; jovem sendo algemado e conduzido, preso em garupa de moto!  Em 2019 a polícia brasileira matou seis mil pessoas, cinco vezes mais que os EUA.  Tais atitudes são endossadas por muitos cidadãos de bem, que pregam que “bandido bom é bandido morto”.

    Nesta lógica de polícia, a população pobre, preta e periférica sempre estará em “atitude suspeita”. Denunciar, debater e enfrentar a polícia violenta é o caminho.  A Defensoria Pública de São Paulo elaborou uma cartilha em que orienta os cidadãos a registrar a ação de policiais, como forma de fiscalizar e prevenir violações de direitos humanos. Outra medida adotada pelo governo de São Paulo foi a instalação de câmeras de vídeo e gravação nos fardamentos dos policiais, o que resultou na diminuição das mortes por intervenção policial em 54%, durante os meses de maio e junho deste ano. São medidas necessárias, em que pese saber que a superação do modelo de polícia vigente passa pela superação das desigualdades e das injustiças sociais.

    Publicado no jornal O Popular de 10.12.2021


    quinta-feira, 25 de novembro de 2021

    Violência contra a mulher, até quando?

    O dia 25 de novembro marca os 61 anos do assassinato das irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa), dominicanas que ficaram conhecidas como Las Mariposas. Em 1999 as Nações Unidas instituiu a data – proposta por feministas - como o dia internacional pela eliminação da violência contra as mulheres, homenageando as irmãs Mirabal. 

    Os números nos dão conta que a violência contra as mulheres é um problema presente não só nos países empobrecidos, ou de cultura islâmica, onde o machismo prevalece e os direitos das mulheres são quase inexistentes. Na semana passada a jornalista brasileira Denise Rodrigues radicada em Paris, publicou nas redes sociais da ONG - Mulheres na Comunicação, imagens de uma passeata nas ruas de Paris, na tarde fria de sábado (20), com a participação de mais de 50 mil pessoas, manifestando-se contra as violências sexuais e sexistas. De acordo com Rodrigues, mulheres, homens e crianças, apesar do frio e da pandemia foram para as ruas exigir do Estado, políticas públicas que coíbam tais violências que hoje vitimizam em torno de 220 mil francesas, deste total,  94 mil vítimas de estupro e 101 assassinadas por seus companheiros. 

    No Brasil a situação das mulheres é alarmante. Levantamento feito pelo Datafolha divulgado em junho deste ano, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano. A pandemia deixou as mulheres mais vulneráveis, elas tiveram mais dificuldades de denunciar as violências, já que o agressor passou a ficar mais tempo em casa. Outro dado trágico, nos dois primeiros meses da pandemia houve um aumento do feminicídio, o assassinato de mulheres, pelo fato de serem mulheres. 

    Aqui, na França, nos países islâmicos ou latinos, qualquer lugar que seja deste planeta, a eliminação da violência contra as mulheres requer um trabalho efetivo de todos os segmentos sociais e fundamentalmente do Estado. Para além dos tratados internacionais como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção de Belém do Pará, é preciso enfrentar o problema local com a seriedade que ele exige. 

    A lei Maria da Penha prevê inúmeras ações simultâneas e interligadas, como as delegacias especializadas,  casas abrigos, centros de atendimentos com equipe de multiprofissionais, o tratamento a vítima e ao agressor, a qualificação de profissionais, entre outras, porém os 15 anos de sua implementação, não foram suficientes para sua total efetivação. Seguimos presenciando a ausência dos mecanismos previstos em lei e a naturalização da violência entre aqueles e aquelas que deveriam ser o porto seguro das mulheres em situação de vulnerabilidade. 

    A propósito, como está a construção da Casa da Mulher Brasileira lançada pelo governo federal, em Goiânia em julho de 2020?

    segunda-feira, 20 de abril de 2020

    Mídia Alternativa – o quinto poder


    Qual o  papel da imprensa e dos meios de comunicação frente a uma sociedade democrática? O jornalista e sociólogo espanhol  Ignácio Ramonet em artigo intitulado,  O quinto poder(2003),  deu a medida exata do papel da imprensa e dos  meios de comunicação, no período que antecedeu a revolução digital e a intensificação da globalização.  Para ele, numa sociedade democrática os três poderes tradicionais – Legislativo,  Executivo e Judiciário – poderiam falhar, cometer erros; a imprensa, no entanto, representava o poder fiscalizador, aquele que frente às falhas e erros, investigava, denunciava, criticava, resistia. Portanto, durante muito tempo, por atitudes corajosas, isentas e de alto senso cívico, a imprensa e os meios de comunicação eram conhecidos com o quarto poder.

    No final do século XX, com o avanço da globalização,  do grande capital, da privatização e a consequente redução do Estado, em detrimento do público, dos direitos dos trabalhadores, também  os meios de comunicação , seguindo o mesmo movimento de concentração e fusão de grandes empresas, tornam-se empresas com vocação planetária, onde os interesses econômicos prevaleciam em detrimento do poder fiscalizador. A  imprensa, de acordo com Ramonet, deixou de ser vista como o quarto poder, perdeu  a sua função  fundamental de contrapoder.

    Historicamente no Brasil, os meios de comunicação como veículo de comunicação de massa, estiveram  atrelados ao poder político, usufruindo das benesses do Estado. Que o digam os Diários Associados de Assis Chateaubriand e Getúlio Vargas; ou a família Marinho e o Regime Militar, para não citar outros.  Tal modelo centralizador  proporcionou a políticos/empresários  adquirirem concessões de tvs e rádios e jornais, dando origem as propriedades cruzadas. Uma forma de ter domínio sobre todos os meios de comunicação e utilizá-los de acordo com os interesses políticos de quem estava no Poder.

    No Brasil os meios de comunicação estão concentrados nas mãos de quatro ou cinco famílias, que têm uma relação nada ética e baseada em interesses comuns, com as autoridades constituídas, fazendo prevalecer os interesses dos grupos midiáticos em desfavor da sociedade brasileira. Aqui a lei que regulamenta os meios de comunicação e deveria servir de parâmetros, limite, regras, está obsoleta,  data de 1962. Não existe vontade política e muito menos das empresas de comunicação de mudar o que aí está! Qualquer manifestação em contrário é imediatamente abafada, execretada, morta e sepultada!  A primeira e única  Conferência Nacional de Comunicação(2010), é talvez, o maior exemplo disso. Ela foi construída com muita dificuldade, boicotada pelos grandes veículos de comunicação e em alguns estados, como foi o Estado de Goiás,  o Executivo, não se deu o trabalho de convocá-la. A iniciativa partiu de representante do Legislativo goiano (Mauro Rubem), de instituições públicas como a Universidade Federal de Goiás e de organizações não governamentais como  o Fórum pela Democratização da Comunicação, a Associação Mulheres na Comunicação e o Centro Cultural Cara Vídeo.  A Conferência Nacional de Comunicação foi uma dúvida até horas antes de sua abertura,  devido a pressão da única emissora de TV, a Bandeirantes, que ameaçava, sair  comprometendo assim, a legitimidade da convenção. Infelizmente, apesar do governo Lula ter sido  o grande responsável pela empreitada, não encaminhou nenhuma das decisões retiradas daquela histórica conferência! Certamente, se  tivessem se concretizado,  nossa realidade hoje, seria outra!

    Apesar das particularidades do modelo tupiniquim, as empresas de comunicação brasileira e consequentemente os meios de comunicação seguem a vocação mundial: estão a favor dos grandes interesses econômicos e contra  os direitos da maioria da população, como diz  Ramonet, com  o objetivo de esmagar o cidadão.

    Ramonet  aponta alternativa a esta cooptação do quarto poder: criar o quinto poder.  E como seria este quinto poder? Ele nos ensina:  Um “quinto poder” cuja função seria a de denunciar o superpoder dos grandes meios de comunicação, dos grandes grupos da mídia, cúmplices e difusores da globalização liberal. Meios de comunicação que, em determinadas circunstâncias, não só deixaram de defender os cidadãos, mas, às vezes, agem explicitamente contra o povo.  

     A mesma revolução digital que serve a concentração das empresas de comunicação e a sua vocação planetária de concentração dos meios e da produção, por outro lado,  possibilita a atuação  dos movimentos e profissionais que atuam na defesa, na fiscalização e no enfrentamento aos grandes grupos de comunicação. Os movimentos de comunicação popular são exemplos disso, organizados em associações, organizações não governamentais, fóruns e coletivos, hoje utilizam da internet e das redes sociais, assim como de ferramentas de baixo custo para atuar na contramão das empresas de comunicação.  Podemos citar a Amarc – Associação Mundial de Rádios Comunitárias,  organismos que atuam em rede  como o Mídia Ninja,  o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, o jornal semanal  político Brasil de Fato,  criado por ocasião do Fórum Social de Porto Alegre, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, a organização  não governamental  Artigo 19. Estes são alguns com  atuação nacional  e mundial,  e,  pensando na comunicação local, podemos falar  da Associação Mulheres na Comunicação, do Comitê de Direitos Humanos D. Tomás Balduíno,  da rádio comunitária Noroeste!  Para  Ramonet,  tais exemplos constituem em contrapeso indispensável ao excesso de poder dos grandes grupos de comunicação. Tais entidades têm responsabilidade coletiva, em nome do interesse superior da sociedade e do direito dos cidadãos e cidadãs de serem bem informados e ficarem protegidos contra a sociedade das manipulações da mídia. E eu acrescento, protegidos contra a manipulação das fake News!

    Geralda Ferraz
    Radialista, jornalista, educadora, articulista do blog Comunicação, Educação e Gênero, militante dos movimentos de Direitos Humanos.

    Fonte Bibliográfica:
    1.    O quinto poder, Ignácio de Ramonet, Publicado na edição brasileira do Le Monde Diplomatique nº 45, outubro de 2003.